Saúde

Curar nem sempre é possível, mas cuidar sim

Os cerca de 500 pacientes internados, por mês, no Hospital-Escola da UFPel agora contam com a linha de Cuidados Paliativos, baseada na qualidade de vida e no alívio do sofrimento intenso

Gustavo Mansur -

Gustavo Mansur IMG_2610

               Instituição é referência regional para atendimentos de Oncologia e de HIV-Aids (Foto: Gustavo Mansur - DP)

Os pacientes do Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel), referência em Oncologia e em HIV-Aids, passaram a contar com a linha de cuidados paliativos. A filosofia, implementada há uma década através do Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar (Pidi), agora será estendida também a quem está hospitalizado. É um trabalho a ser desenvolvido, lado a lado, com o tratamento curativo, fundamentado sobre dois pilares: qualidade de vida e alívio do sofrimento. Para a atuação simultânea das duas equipes, entretanto, é fundamental que as doenças não sejam diagnosticadas em estágio tão avançado.

É um dos desafios que está colocado: fazer com que os casos sejam conhecidos quando ainda exista perspectiva de cura. Se não for possível, para os profissionais especializados em cuidados paliativos, o compromisso estará recém começando. E baseado em um princípio: ainda que não se possa curar, sempre é possível cuidar. E é isso que o quarteto composto por médico, enfermeira, psicóloga e assistente social - à disposição no HE, em formato de consultoria - estará pronto para realizar, seja em parceria com os colegas que perseguem a cura do paciente ou, em quadros extremos, como o único tratamento que resta ser aplicado.

E, o principal: em ambos os casos, o doente será visto como um ser integral. Para controlar sintomas e assegurar o bem-estar, portanto, o alívio do sofrimento será encarado sob quatro aspectos: físico, psicológico, social e espiritual. Um olhar que não se volta apenas ao paciente. Os familiares, suas dores e ansiedades também viram alvo.

Uma relação de respeito e verdade
Dois princípios são essenciais na relação que se estabelece, principalmente, nos casos em que o processo de terminalidade precisa entrar em pauta: verdade e respeito. E esse respeito, às vezes, pode significar, justamente, não falar com o paciente sobre o seu prognóstico. O ideal, todavia, é que amparados no conhecimento da equipe, pacientes e familiares possam quebrar o tabu e conversar, sim, sobre a morte.

Do contrário, não raro, cria-se a chamada conspiração do silêncio, em que o tema não entra em discussão, soterrado pelo isolamento emocional - observa o coordenador da equipe de Consultoria em Cuidados paliativos da Santa Casa de Porto Alegre, o médico intensivista Rodrigo Castilho, antes de palestrar a profissionais do HE, durante a oficialização das atividades que, desde novembro, ocorriam em formato piloto. São oportunidades, portanto, a agarrar: reconciliações. Abraços. Perdões.

“Temos o compromisso de tratar a vida com qualidade até a morte”, enfatiza a chefe da Divisão de Gestão do Cuidado, Isabel Arrieira. E mais: é preciso enxergar a morte como parte da vida - acrescenta a enfermeira.

Confiança e entusiasmo
O motorista Vanildo dos Santos, 60, está internado, mas nem parece. O clima é de contagem regressiva para o próximo baile da Terceira Idade; uma agenda que o faz percorrer, ao lado da mulher Ivonete, vários municípios da Zona Sul. “Viajamos toda a região levando idosos para os bailes”, conta. E se motiva para também deslizar os pés pelos salões, a cada evento. É uma razão a mais para recompor a saúde - admite o pelotense, em tratamento de câncer desde 2012.

“O doutor Fábio e a equipe dele (de Cuidados Paliativos) foram mexendo e ajustando os meus remédios até aliviar a dor que eu tinha. Em casa, chegava a estar abaixo de morfina”. Resultado do câncer que começou na próstata e provocou metástases à parte óssea. Mas, acima de tudo, disseminou uma lição: “Não adianta querer me entregar. Nenhum médico vai fazer milagre se eu não lutar”. É um ânimo que Vanildo tem procurado alimentar. Enquanto tratava a infecção urinária - comum em pacientes que utilizam sondas -, na última sexta-feira, voltava o foco à alegria que estava por vir, do lado de fora: com a esposa, filhos e neto e com os vários bailes que estão por vir.

O que é o cuidado paliativo?
Desde 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o cuidado paliativo como uma abordagem que promove qualidade de vida ao paciente portador de doença grave, ameaçadora à vida; não necessariamente câncer.
Todas as pessoas que apresentam doença com pouca ou nenhuma resposta à terapêutica curativa e com sintomas de sofrimento, como em casos também de Aids e doenças neurológicas crônicas, doenças cardíacas, pulmonares ou renais, por exemplo, devem receber esse suporte.

Gustavo Mansur IMG_2573

                 Equipe está à disposição dos outros profissionais para avaliar os pacientes (Foto: Gustavo Mansur - DP)

Receber os cuidados paliativos significa abrir mão do tratamento da sua doença?
Não. Estar em cuidados paliativos não significa ser privado dos recursos diagnósticos e terapêuticos que a medicina pode oferecer.
Os cuidados são administrados juntamente com o tratamento específico da doença.
Quando o tratamento curativo, entretanto, já não responde, os cuidados paliativos se tornam o foco central da assistência e passam a ser administrados para aliviar os sintomas e outros problemas decorrentes da doença.

Hospice deve inaugurar até o final de junho
O Centro Regional de Cuidados Paliativos, o Hospice, deve inaugurar até o final deste primeiro semestre. Ao menos é a nova previsão da direção do Hospital-Escola, que tem lidado com atraso nas obras, correria atrás de recursos e alterações no projeto, que agora conta com elevador e subestação de energia elétrica. A estimativa é de que o valor final beire os R$ 3 milhões; um acréscimo de 50%.

Ao inaugurar, a unidade - que funcionará no prédio da antiga Laneira - não irá alterar em nada a filosofia, hoje, estendida ao HE. Pelo contrário. Será uma estrutura a mais à disposição da comunidade, sob uma mesma orientação, e a equipe de Consultoria deverá servir de elo entre o Hospice, o Hospital-Escola e os dois programas de internação domiciliar: o Pidi e o Melhor em Casa - ressalta a superintendente Julieta Fripp.

A expectativa, portanto, é pelo fim das obras, já que a previsão inicial era de que as atividades pudessem começar até o final de 2014. Uma estrutura que garantirá ainda mais qualidade ao atendimento, 100% SUS. A área de 900 metros quadrados contará com 16 leitos de internação, área de convivência de pacientes e familiares, postos de enfermagem, salas de procedimentos, sala de reunião de equipe, auditório, almoxarifado, copa-cozinha, lavanderia e garagem. E, para colocá-la em operação, a retaguarda de pessoal está garantida. O concurso público da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) já levou em consideração a próxima unidade em funcionamento.

Conheça o HE

#Quatro grandes áreas de atendimento: Cirurgia, Clínica Médica, Pediatria e Ginecologia
# Referência em Oncologia e em HIV-Aids
# Total de leitos: 174
# Fluxo de internações/mês: 500
# Dois programas de internação domiciliar: o Pidi (com 20 pacientes) e o Melhor em Casa (com até 130 pacientes concomitantes). O trabalho, realizado por oito equipes, adota a linha de Cuidados Paliativos. Ambos serviram de referência ao serviço, agora, estendido ao hospital.

Como vai funcionar o trabalho?
* O atendimento será realizado através de consultoria. Uma equipe interdisciplinar, composta por médico, enfermeira, psicóloga e assistente social, estará pronta para ser acionada e, à disposição, para três tipos de situação:

1- Avaliar e acompanhar pacientes (e familiares), com o objetivo de cuidar dos sintomas físicos de desconforto, como dor, fadiga, cansaço, falta de ar e outros que possam causar sofrimento e piora da qualidade de vida.

2- Abordar as necessidades emocionais, sociais, familiares e espirituais do paciente e de sua família, alicerçados em um princípio: respeitar valores e crenças.

3- Sugerir aos colegas, da equipe assistencial (dedicada ao tratamento curativo), plano de cuidados dirigido a pacientes e familiares.

Quem integra a equipe?

Médico: Fábio de Moura Pinto
Enfermeira: Ana Cristina Fonseca
Psicóloga: Taís Leivas
Assistente social: Simone Sanghi

Os princípios do cuidado paliativo
# Avaliar antes de tratar;
# Explicar as causas dos sintomas;
# Não esperar que o doente se queixe
# Adotar estratégia terapêutica mista, sempre que possível (junto à equipe responsável pelo tratamento curativo);
# Monitorar os sintomas;
# Reavaliar regularmente as medidas terapêuticas;
# Cuidar dos detalhes;
# Estar disponível.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Nova agência da Previdência beneficia cerca de 20 mil pessoas em Piratini

Próximo

Médicos deixam rede pública por defasagem salarial

Deixe seu comentário